Gabi, a editora do site da AQUILETRAS, convidou-me
a colaborar no espaço com uma coluna, crônica ou artigo, que cumprisse um prazo
periódico. Sou péssimo em cumprir prazos, e ando sempre fugindo de compromissos
literários de escrever ou dar palestras. Na verdade, quero aproveitar o meu escasso
tempo livre para ler ou tomar cerveja com os amigos, e para isso não costumo assumir
mais compromissos de natureza alguma, muito menos literários. Mas ela insistiu,
argumentou, e acabei convencido e aceitando a missão. Ela me pediu também que
desse título à coluna. Pensei, pensei, pensei... e achei que esse espaço deveria se
chamar “Conversa de Alpendre”. Pois nada mais leve e lírico que uma boa conversa
de alpendre numa rede ou numa cadeira preguiçosa, com rapadura e água gelada, na
boca da noite. Lembro que a Rachel de Queiroz disse numa saborosíssima crônica
que todo alpendre é essencialmente um abrigo. E aqui será o abrigo de minhas ideias
(não que elas importem muito). Nisso ficamos combinados dessa forma, caro leitor, de
vez em quando, se a inspiração surgir, apareço aqui despretensiosamente com um
tamborete na mão, uma boa prosa e o convite a conversar sobre o mundo.
Li recentemente o best-seller O Caçador de Pipas, do escritor afegão Khaled
Hosseini. Lendo o livro, dentre inúmeras outras questões que a bela narrativa discute,
toca e sensibiliza, lembrei-me, sobretudo, de quando na minha infância eu coloria os
céus de Quixeramobim com pipas.
É verdade que nunca tive muita habilidade artesanal, mas, no entanto, sempre
fui um grande artesão de pipas, e vê-las depois de prontas colorirem o céu era uma
alegria que até hoje, passado tanto tempo, ainda não me é possível explicar. Era
simples confeccionar uma: bastava ter as varetas de palha de coqueiro, linha
resistente, o papel de seda, tesoura e a cola - que, às vezes, a gente improvisava com
grude caseiro. Nunca fiz cerol, que sempre achei perigoso, e até porque não dizer,
criminoso.
Faz um século que não vejo uma pipa nos céus de Quixeramobim. Creio que
os meninos de hoje não sabem realmente fazer uma pipa. E como pipa não é, de fato,
um item que se encontra facilmente nas lojas especializadas de brinquedos, não tem
realmente como os meninos de hoje soltarem pipas por aí. Aliás, fazer e soltar pipa
são duas habilidades que só se aprendem no meio na rua.
Na época das férias escolares – Quixeramobim sempre com poucas opções de
lazer – brincar de soltar pipa era experimentar a mais pura sensação de liberdade. Era
poder voar sobre a cidade. Era vê-la lá de cima, muito além da Serra do Cruzeiro,
onde a vista expandia-se, e ela, a cidade, apequenava-se, silenciosa.
Soltando de dentro do rio, a pipa sobrevoava a ponte metálica, e aquilo se
tornava um deslumbramento para olhos cansados, transeuntes. Via lá debaixo, que as
pessoas que passavam sobre a ponte apontavam para o céu mirando a minha pipa
desaparecendo lá no céu, pequenina no meio das nuvens, rumo ao firmamento.
Deslumbrados?
Questionava-me.
Sentia-me naquele instante o dono do céu da cidade.
BRUNO PAULINO é escritor.
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