Esse despertar surgiu quando a
recém-inaugurada TV Ceará, lá pela década de 1960, exibiu uma reportagem sobre
a malsoante e fatídica estrada de ferro Madeira - Mamoré, à época ainda
funcionando precariamente em alguns de seus trechos.
Muitos anos depois, em visita a Rio
Branco (AC), deparei-me ali com acentuada parte da população de origem
nordestina, a maioria descendente de cearenses que para lá se foram na época da
borracha, e que me orientou a visitar uma livraria da cidade, onde adquiri
algumas obras bem interessantes.
Como é do conhecimento de grande parte dos brasileiros, essa obra (Madeira-Mamoré), a conhecida “Ferrovia do Diabo”, um projeto desastroso que consumiu uma quantia de dinheiro equivalente a, aproximadamente, 28 toneladas de ouro e centenas de vidas humanas, teve sua construção projetada no ano de 1867 e iniciada em 1907, sendo concluída em 1912, vindo a encerrar suas atividades em 1931, em razão do malogro financeiro do empreendimento. Dias depois, no entanto, voltou a funcionar e, depois de várias paralisações e revitalizações encerrou definitivamente suas atividades em 1972.
A intenção dos idealizadores do
projeto – Bolívia e Brasil -, era ligar a primeira ao Oceano
Atlântico, através da Amazônia. O vultoso custo da obra, além de sugar verbas
desses dois países, levou à bancarrota empresas e empresários ingleses e
norte-americanos, inviabilizando a continuidade de seu uso.
Mas, descrever a história dessa
ferrovia e dos famosos “soldados da borracha”, ocuparia o espaço de um ou mais livros,
o que me leva a encerrar essa abordagem por aqui, sem prejuízo de voltar a
abordá-la futuramente.
Para quem, no entanto, nutre o
interesse em conhecer a história do país, a “Madeira-Mamoré” não deve ser
colocada à margem de sua leitura, posta à disposição dos interessados em
diversas obras, dentre elas a mais completa – A Ferrovia do Diabo, de
autoria de Manoel Rodrigues Ferreira (ed. Melhoramentos, 2008),
considerada a mais completa de todas.
Portanto, hoje resumo meu trabalho a
uma ocorrência amazônica curiosa que veio ao meu conhecimento há alguns anos,
através de um presente que me foi ofertado pelo então presidente do Tribunal de
Justiça de Rondônia, um mombacense que, em visitação à sua terra natal, nos
concedeu uma obra publicada pelo Instituto Dr. Ary Pinheiro – IPARY.
Esse instituto, com sede em Porto
Velho (RO), entidade de preservação ambiental criado para homenagear esse
famoso esculápio paraense que fez história na Amazônia, implantando e dirigindo
várias obras públicas, inclusive, de assistência médica aos operários da
ferrovia mencionada.
A história que é narrada nesse livro,
e que pretendo ora expor é a seguinte:
Em passagem pela região do rio Tocantins,
lembrou-se de uma colega brasileira que conhecera em colégio de Londres, de
quem se tornara amiga e que lhe informara, ao concluir seus estudos, que
retornaria ao Brasil, exatamente para a Amazônia, onde ainda residiam seus
pais, ele próspero castanheiro.
Chegando ao lugar Cametá veio
a saber que Diana (este era seu nome) tinha residido por algum tempo no lugarejo,
atualmente um grande município do Estado do Pará, onde contraiu matrimônio com
um rico castanheiro e com ele constituíra família, porém, certa feita,
atravessando uma das cachoeiras do lugar, teve os seus familiares assassinados
por índios da tribo dos gaviões , sobrevivendo sozinha ao ataque, isto para que
servisse como companheira de um índio da tribo que por ela se apaixonara.
A alemã ficou bastante chocada com a
infausta notícia, mas não interrompeu sua corajosa incursão pela selva, onde
veio a perder-se e, durante meses após, as expedições criadas pelo governo para
localizá-la desistiram da tarefa, dando-a como morta.
Snethlage, no entanto, sobreviveu para passar
por outra surpresa. Sentindo-se vencida nas suas caminhadas, faminta e atacada
por levas de mosquitos, resolveu esperar a morte à sombra de uma frondosa
sapopema, acendeu uma fogueira para espantar os insetos e dali ouviu o cantar
de um galo denunciando a existência de habitações nas redondezas.
Caminhando em direção ao local
deparou-se com uma maloca bem cuidada de onde saiu uma mulher loira, vestida,
apenas, com uma tanga, logo reconhecida pela visitante como sendo sua ex-colega
colega Diana, que tanto procurara quando chegou ao Brasil.
Diana, também, de imediato, a reconheceu, contando-lhe
sua desventura e, evidentemente, sua vida na selva, afirmando que, a princípio,
odiara seu sequestrador, porém, com o transcorrer dos dias e a impossibilidade
de modificar a situação, passou a aceita-lo como amante e dessa relação tivera
cinco filhos, abandonando completamente a ideia de retornar as suas origens.
Vários índios da tribo do companheiro
de Diana se acercaram da alemã, tentando cooptá-la para um casamento,
mas ela resistiu e terminou por conseguir liberar-se do assédio para prosseguir
com seus estudos. Após permanecer por muito tempo nas matas dos rios Tocantins,
Xingu e Tapajós, percorrendo a pé e em canoas improvisadas, em torno de 380
quilômetros, na companhia do pernambucano Manoel Cavalcante Umbuzeiro que
contratara como guia, coletou farto material para sua obra.
Carismática, paciente e de invejável
resistência física, Snethlage, além de concluir seu trabalho de
ornitóloga, envolveu-se com o estudo dos costumes e das línguas indígenas para,
anos depois, utilizando a navegação do Rio Madeira, chegar a Porto Velho (RO),
onde faleceu no ano de 1929, em um dos apartamentos do Hotel Brasil, vítima de
um colapso.
O resultado de seu trabalho na
Floresta foi condensado em catálogo que ainda hoje é exibido, junto com outras
obras de sua autoria, nos mais afamados museus da Europa.
Apesar de sua luta, de sua capacidade
e do empenho que deu à tarefa que abraçara, Snethlage, antes de morrer sentia-se
frustrada por não haver conseguido encontrar o pássaro que tanto procurara e
que na época empolgava os meios científicos – o uirapuru.
Ao falecer, contava a alemã com 29
anos de permanência no Brasil.
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