Para o Café com Prosa desta semana, convidei o escritor quixeramobiense Bruno Paulino, porque sei bem que o menino-poeta aprecia uma boa conversa de alpendre. Você, leitor, se achegue mais, prepare também sua xícara de café, afinal, um cafezinho forte e quente é o melhor acompanhamento para uma boa prosa.
***
Gabrielly – Quem é o Bruno Paulino, para além do Bruno-professor e do Bruno-escritor?
Bruno –
Sou, e não escondo essa vaidade, um grande leitor. Ando sempre com três ou
quatro livros para cima e para baixo. A coluna - em tempos de Kindle e livros
digitais - é quem costuma reclamar do peso de ainda carregar velhos livros
impressos na mochila. Leio na fila do banco, dentro do ônibus, na praia, no
bar, na igreja, no hospital. Na verdade, o Bruno-professor e o Bruno-escritor,
só atrapalham o Bruno-leitor, que talvez seja o único Bruno que realmente
gostaria existir.
Gabrielly
– Você já afirmou em
outras entrevistas ser essencialmente um jovem provinciano. A província está
nitidamente presente na sua escrita, quando você menciona a casa dos avós do
outro lado do rio, os pássaros, o sertão, as conversas de boteco. Esses são
hábitos e cenários muito característicos da província, do interior. Mas, quais
outros temas são objeto da sua curiosidade? Que outras histórias povoam o
imaginário do Bruno-escritor e que ainda não foram exploradas por você?
Bruno –
Sou um curioso por tudo: desde o sexo dos anjos aos gatos da Mesopotâmia, o
suicídio de Getúlio Vargas, os heterônimos de Fernando Pessoa e as polêmicas
profecias de São Malaquias tudo é matéria de minha curiosidade. Se me interesso
por um assunto quero ler o máximo disponível a respeito dele. Uma semana dessas
li três livros de ufologia, sem acreditar em patavina do assunto. Só por
exercício de curiosidade. Não tenho preconceito com assunto nenhum, pois com
“engenho e arte”, para citar o poeta Camões, tudo pode e deve virar literatura:
o rebolado da morena que passa, o céu estrelado da noite ou a violência social
que nos assola todo dia. E sim, sou confessadamente provinciano, tenho a alma
meio antiga. Gosto de fazer pequenos percursos a pé e contemplar paisagens
corriqueiras.
Gabrielly
– Você lê todos os
dias? Preserva algum ritual de leitura?
Bruno –
Leio religiosamente todos os dias. Gosto de ler na rede. O folclorista Câmara
Cascudo disse que o Freud recomendava o sofá como divã para a prática da
terapia porque, infelizmente, ele não havia conhecido a rede sertaneja. Meu
ritual de leitura é deitar-se numa boa rede e desligar o celular, um luxo
nesses tempos. Mas como nem sempre isso é possível, eu dou um jeito de ler todo
dia, nem que seja de cabeça para baixo pendurado numa corda pelos pés e
torturado por espinhos (que exagero!).
Gabrielly
– E rituais de
escrita?
Bruno –
O Câmara Cascudo (vou ter que novamente citá-lo) tinha uma placa no seu
escritório com o aviso “não atendemos pela manhã”, e o compreendo nesse ponto
integralmente. É muito bom acordar cedo, mas para regar as plantas, tomar café
com calma e escrever coisas que exigem silêncio. Por isso costumo escrever de
madrugada no notebook, na minha biblioteca, posto em sossego, um silêncio
maravilhoso. É claro que também escrevo durante o dia. Acho que coca-cola e
café ajudam muito na hora da escrita (brincadeira). Às vezes, faço poesia no
caderninho (acho romântico) ou rabisco um ou dois versos no bloco de notas do
celular para que a ideia não se perca, e retomo depois com calma. Reescrever e
cortar excessos do texto é muito mais importante que escrever, já recomendava o
mestre Graciliano Ramos, lembrando as lavadeiras dos rios de alagoas e seu
gesto reticente de torcer as roupas a quarar no sol. Mas sou tribuno do hábito
de sentar-se para escrever quando a inspiração vem e quando ele não vem também.
Concordo com o Zuenir Ventura que disse sabiamente gostar de ter escrito, mas
não de escrever. Escrever é uma chatice.
Gabrielly – Ouvi você dizer em algum lugar que gosta de ouvir música antiga e que esse hábito lhe acalma. Você costuma usar outras expressões artísticas como forma de inspiração? Da música, por exemplo, costuma trazer referências?
Bruno –
Sou apaixonado por música antiga. Meu pai falava num tom bastante saudosista
que cantor era o Nelson Gonçalves, e eu acabei gostando de ouvir música dessa
época. Aliás, nem sei se música tem esse negócio de época, acho que toda música
é atemporal. João Gilberto, por exemplo, a geração mais nova nem conhece, e por
isso não tem como gostar, mas eu realmente me acalmo ouvindo João Gilberto e
acho o som dele a coisa mais sofisticada, moderna e refinada do mundo. Toda
arte é um grande diálogo com a vida e com as outras artes. E certamente o fato
de ouvir bastante música colabora de alguma forma com a minha escrita.
Gabrielly
– Quando você não se
identifica com alguma leitura, abandona aquele livro ou persiste nele? Costuma
dar chance a livros que não lhe capturam num primeiro momento?
Bruno –
Sou um leitor caótico e anárquico: leio cordel, biografia, romance, reportagem
tudo na mesma hora. Três livros de uma vez. Nunca insisto numa leitura quando o
tesão no livro já passou. Eu apenas o devolvo para a estante e depois, com o
tempo, às vezes, volto a lê-lo de novo. Não tenho nenhum tipo de preconceito
quando se trata de ler, mas tenho minhas preferências. E só leio enquanto estou
empolgado com o livro. Na vida a gente já faz muita coisa porque é obrigado
(trabalha, declara imposto de renda, vota, sorri, se comporta…); aí o hábito da
leitura eu costumo praticar como exercício de liberdade.
Gabrielly
– Como saber que uma
obra literária está pronta para ganhar o mundo, digo, para ser publicada? Há
escritores que trabalham em livros por muitos anos e não se dão por
satisfeitos. Você é preciosista?
Bruno –
Eu nunca sei quando uma obra está pronta, ela simplesmente ganha o mundo. E
geralmente constato depois, que ela realmente ganhou o mundo sem estar pronta.
Não sou preciosista. Por ser relativamente jovem ainda, considero que já
publiquei muito – o que talvez tenha sido um grande erro. É sempre bom ter
paciência com um livro. Aliás, é sempre recomendável ter paciência em matéria
de escrita. Felizmente aprendi que muito do que escrevo deve acabar na lixeira,
para o imenso alívio de quem arrisca me ler.
Gabrielly
– Esses dias ouvi uma
entrevista do nosso conterrâneo Fausto Nilo, onde ele conta que teve musas
inspiradoras, mas que, no final, sempre ia com a poesia, ou seja, se a poesia
lhe oferecesse uma estética mais interessante, ele trairia a musa. E você, vai
com estética ou com a musa?
Bruno – Eu
vou com a musa e com a poesia. Explico com uma imagem poética: contemplar o mar
é bonito, mas a mulher nadando nua no mar, convenhamos que é muito mais bonito.
Brincadeiras à parte, acredito que todo poeta é, antes de tudo, um apaixonado
pela poesia, um obcecado pelo “prazer estético”, o que não quer dizer rigidez
na forma, nem tampouco aprisionamento à “musa”. Eu elejo umas três musas por
semana, e passo meses sem escrever algo digno de ser chamado de poesia. No fim,
a regra é clara: vale a boa poesia, que infelizmente a gente raramente consegue
fazer.
Gabrielly
– Não gostaria que
essa pergunta soasse reducionista e sei que algumas impressões e referências as
vezes passam, enquanto outras se apresentam, mas gostaria de saber se há alguma
obra ou escritor pelos quais você tenha especial apreço. Para facilitar sua
resposta, qual livro de outro autor que você gostaria de ter escrito?
Bruno –
O livro Os Sertões, do Euclides da Cunha, de quem sou ávido leitor “por
admiração e protesto”. Considero genial
a forma que ele harmonizava no texto ciência e literatura. As frases de
impacto. O ritmo, as antíteses. O tom agressivo e o narrador sincero. O
Euclides da Cunha dizia que o escritor do futuro seria um polígrafo, alguém que
dominaria muitos assuntos. Acho que não domino assunto nenhum. Escrevo por pura
ignorância das coisas. Se conseguir escrever uma boa crônica ou poema sem
aborrecer o leitor, e caso esse texto ainda o toque, o sensibilize, “bula” com
ele, acho que cumpri bem o meu intento.
Gabrielly
– Nos últimos meses,
temos acompanhado uma série de notícias dando conta do fechamento de grandes
redes de livrarias. Os rankings mundiais de leitura também colocam o Brasil em posições
bem desfavoráveis. No entanto, a internet democratizou a leitura, facilitou o
acesso. Como você avalia o mercado editorial hoje no Brasil e as preferências
de leitura dos brasileiros?
Bruno –
O brasileiro infelizmente prefere não ler. Gosto da produção literária
independente, das pequenas editoras, geralmente muito boas, que não devem nada
do ponto de vista literário e do serviço gráfico do livro a nenhuma gigante do
mercado editorial. A internet encurtou realmente distâncias, e o contato do
leitor muitas vezes se dá direto com o escritor, via rede social. O leitor
quando “posta” o livro que está lendo na grande rede se torna automaticamente
garoto-propaganda do livro. Gosto dessa interação. É democrático ver seu livro
esculachado ou louvado na internet. É democrático, mas convenhamos, não é a
glória eterna, rs. Eu não entendo muito do mercado editorial, porém cuido dos
meus livros como minha mãe cuida das plantas dela no jardim. Não sei fazer
literatura e livro de outro jeito.
Gabrielly
– Quais novidades
podemos adiantar aos leitores desta página sobre seus projetos futuros?
Bruno –
Um novo livro de poemas e uma nova safra de cordéis.
Gabrielly
– Agora vamos fazer
uma brincadeira. Te ofereço palavras-chave e você responde como desejar.
Gabrielly
– Uma música:
Bruno
– Naquela
Mesa, do Nelson Gonçalves. A música mais bonita já cantada sobre
saudade.
Gabrielly
– Livro de cabeceira:
Bruno –
O livro História de uma alma, de Santa Teresinha do
Menino Jesus. A leitura desse livro me ensina a enxergar a transcendência nas
pequenas coisas, no fazer cotidiano, na pequena via. São “simples” e ao mesmo
tempo teologicamente “avançadas” as ideias de que “nada é pequeno se feito com
amor” e que “pensar em uma pessoa que se ama é rezar por ela”.
Gabrielly
– Deus:
Bruno
– Deus
é um passarinho. Contemplo e não consigo explicar. E qualquer explicação
estragaria a metáfora.
Gabrielly
– Quixeramobim:
Bruno
– É
como a “cidadezinha qualquer”, descrita no poema do Carlos Drummond
de Andrade, só que mais “besta” e “poética”.
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