terça-feira, 12 de setembro de 2023

Amazônia – Estrada de Ferro Madeira-Mamoré


Como prometido em artigo anterior sobre a Amazônia, adentro agora à história da construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré, a mal afamada ferrovia do diabo, uma das primeiras obras da era republicana que torrou acentuado monte de recursos de nosso erário e outros milhares de vidas dos brasileiros.

Advirto os leitores que, em razão da precariedade das comunicações da época do planejamento e do extenso período de execução dessa obra, é possível que, na hipótese de aprofundamento ao estudo do tema possam encontrar pequenas divergências em algumas informações. Por tal razão isolei alguns dados não confiáveis da Internet, conflitantes com as fontes mais familiarizadas com os fatos, ou sejam, autores que se notabilizaram pela apresentação de suas pesquisas, cujos nomes apontarei ao final.

Lembro-lhes que afirmei ter essa obra, como meta de seus idealizadores, a viabilização do transporte de mercadorias, especialmente borracha, da Bolívia e da Amazônia brasileira, para o estrangeiro, principalmente para os Estados Unidos, Reino Unido, União Soviética e França, através do oceano Atlântico.

A previsão era a de que a Bolívia, mesmo tendo que continuar utilizando a navegação fluvial até a fronteira com o Brasil, para esse transporte, evitaria o trecho de cachoeiras do Rio Madeira, responsável pela inviabilização de todas as formas de deslocamento dantes previstas e, assim, alcançaria a via férrea para chegar   ao oceano atlântico em Belém. Pela ferrovia proposta, em torno de 360 quilômetros totalmente no solo brasileiro, com traçado entre Porto Velho e Guajará Mirim, conclui-se que a tarefa boliviana de exportação de suas cargas, começaria e terminaria com o uso da navegação, ou seja, os produtos chegariam à fronteira dos dois países, em Guajará-Mirim, onde embarcariam nos trens da Madeira-Mamoré e, chegando a Porto Velho, enfrentariam um novo embarque em vapores e barcos em direção a Belém.

As providências preliminares:

Pois bem, inviabilizadas as vias de transporte dantes tentadas, incluindo a eliminação da área peruana como base de projetos de navegação pelo rio da Prata, por razões mencionadas em artigo anterior, e os obstáculos intransponíveis das inúmeras cachoeiras do rio Madeira, Brasil e Bolívia, de comum acordo e acatando uma opinião do engenheiro boliviano José Augustin Palácios, resolveram bancar as obras de uma ferrovia. 

Coube ao Brasil a realização do estudo da obra e, para essa tarefa, o Ministro da Agricultura contratou os engenheiros alemães José e Francisco Keller, pai e filho que, em novembro de 1867, partiram do Rio de Janeiro em direção a Manaus, onde aportaram nos primeiros dias do mês de dezembro seguinte. Na capital amazonenses mantiveram um contato com o vice-cônsul da Bolívia, sr. Inácio Araus, proprietário de uma grande fazenda na selva amazônica, às margens do rio Madeira, que prometeu ajudá-los, como de fato ajudou, porquanto, ao chegarem ao local, acompanhados de 07 homens que contrataram em Manaus, entregou-lhes o diplomata 7 canoas, 70 índios bolivianos e 8 trabalhadores brancos, para auxiliá-los na missão.

No dia 16 de julho de 1868, a comitiva alcançou o lugar Santo Antônio, um porto fluvial improvisado que à época pertencia ao Estado de Mato Grosso e, após, foi integrado à cidade de Porto Velho, atual capital de Rondônia.

Esse lugar era utilizado pelas embarcações que trafegavam pelo Rio Madeira, transportando os mais variados tipos de mercadorias, principalmente borracha e peles de animais silvestres. Ali residiam apenas umas 300 pessoas, quase todas índios bolivianos, abrigadas em casas de adobe (1) e palhoças de bambu, que sobreviviam com o que ganhavam no transporte dessas mercadorias para embarque e desembarque em canoas e batelões (2) ancorados às margens do rio. No meio dessas rudes construções uma empresa boliviana construíra 3 ou 4 armazéns para guarda de   produtos que comprava e para moradia de seus empregados graduados. Um destes armazéns foi adaptado para servir de residência a um Agente Consular Boliviano.    
    
Percorrendo a floresta no desenvolvimento de suas tarefas, sempre acompanhando o curso do Rio Madeira, os Keller ficaram impressionados com o número de cruzes existentes no trajeto, dentre elas uma denunciando a morte do coronel de engenheiros peruano Maldonado que, fugindo de perseguição política em seu país, ingressara nas águas do Rio Madre de Deus, um dos afluentes do rio Beni, que deságua no Madeira, terminando por perder a vida em uma das cachoeiras deste último.

Após enfrentarem a mort
e de um dos índios da equipe, a perda de uma embarcação despedaçada em uma dessas cachoeiras e uma onda de febre entre seus componentes, além de outros impasses, chegou a comitiva ao lugarejo Crato,  um pouco abaixo de Santo Antônio , no dia 19 de novembro de 1868, onde deram por encerrada sua missão e providenciaram o retorno da dupla  à cidade do Rio de Janeiro.

O relatório que apresentaram ao governo contratante não foi dos mais completos, porém o concluíram com a aprovação da escolha do oceano atlântico como a melhor opção para exportação dos produtos bolivianos e de boa parte do território brasileiro.

Vencida essa etapa, o passo seguinte para começo da construção só viria a ocorrer no ano de 1870, quando o Brasil concedeu ao engenheiro

(1)    Adobe – tijolo de barro queimado pela luz do sol.
(2)    Batelões – barcaças de madeira ou ferro, de baixo calado, destinadas à condução de cargas pesadas em vias de águas rasas.

Americano, coronel   Earl Church, indicado pela Bolívia   para   comandar   a obra, a pertinente concessão, porém com a exigência de que o beneficiário criasse uma nova empresa para comandá-la.

A determinação foi cumprida através da criação da empresa Madeira and Mamoré Railway que se comprometeu a dar início à construção no prazo de dois anos e concluí-la em sete anos, podendo ser prorrogado em situações excepcionais. A concessão, no entanto, valeria por cinquenta anos.

A exigência da criação dessa nova companhia deveu-se ao fato de que antes, no ano de 1868, Earl Church, por intermédio do general boliviano Quentin Quevedo, apoiado pelo   governo do México, criara uma empresa denominada National Bolivian Navigation Company, com a finalidade de angariar na Europa e nos Estados Unidos, recursos financeiros para execução dos serviços da ferrovia, campanha que terminou por não cumprir suas finalidades. Ademais, os objetivos dessa companhia ainda eram dirigidos às obras de navegação, embora, depois, seus estatutos tenham sido modificados diante da nova opção pela ferrovia.

Surge, então, um novo impasse. A ferrovia seria construída totalmente em território brasileiro e as garantias das operações financeiras até então foram prestadas exclusivamente pelo governo boliviano.

Church, na tentativa de resolver o problema veio ao Brasil e obteve a reclamada concessão  do governo brasileiro e com ela dirigiu-se a Londres para obter um financiamento junto ao Banco Erlanger e & Co. , porém os dirigentes do órgão exigiram , para concessão do empréstimo, que o financiado incluísse na execução da ferrovia a empresa Public Works Constructuction Company, até então entregue, exclusivamente, à firma P. & T. Colins, com sede em Filadélfia, além de uma nova garantia do governo boliviano, isto porque , no decorrer desse período preparatório o país sofrera radical mudança política no seu comando.

Obstinado, Church enfrentou grande batalha envolvendo o governo e a oposição bolivianos, aquele favorável à obra e esta radicalmente contrária. Mais uma vez saiu vencedor e, assim, obteve do banco inglês o sonhado empréstimo no valor de 1.700.000 libras esterlinas.

(Esta saga continua...)

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