Quixeramobim, 04 de julho de 2023
Querida
Nice Arruda, pax et bonum.
Hoje
pude sentar com sossego e escrever para você. É madrugada e eu estou na minha biblioteca
ouvindo Ode à alegria, da 9º
sinfonia, de Beethoven. Recebi com muito entusiasmo e certa vaidade – tudo é
vaidade – o convite para escrever o prefácio, mas como acho que não sou bom em
prefácios, resolvi escrever uma espécie de carta, ou antes, uma carta-prefácio,
se é que isso existe. Confesso: gosto mais de cartas que de prefácios.
Toda
boa literatura é, no fundo, autobiográfica, disse certa vez Jorge Luis Borges,
e essa foi também a mesma sensação que experimentei ao terminar de ler os
originais de seu novo livro, Os dias que
tive, que li de um fôlego só. Escritas com espontaneidade e simplicidade – mas
uma simplicidade laborada – as suas crônicas são límpidas e atraentes, provocando
inveja e benção no leitor.
Bem sabes que é deveras comum, sobretudo no meio acadêmico, afirmar-se que a crônica é um gênero de literatura sem compromissos, atividade passageira, quase um passatempo, fadada ao esquecimento – acho isso tudo besteira. Pois, raro é o escritor brasileiro que não tenha em sua bibliografia publicado uma crônica, fato que por si já atesta a importância do gênero no qual figuram grandes nomes como: Machado de Assis, Otto Lara Resende, Carlos Heitor Cony, Rachel de Queiroz, Luís Fernando Verissimo e Rubem Braga, este último o meu preferido dentre todos.
Assim
sendo, querida amiga, noto que você é uma cronista instintiva, que escreve
sobre os mais diversos assuntos. Tudo que vive, sente, toca, experimenta, tu
escreves. Transforma em literatura. E nas páginas de Os dias que tive, o seu leitor irá encontrar-se com memórias de sua
infância, na cidade interiorana de Icó – que um dia vou conhecer; com suas
aventuras como nutricionista junto aos seus pacientes e também com seus
deliciosos relatos de viagens e passeios, devidamente narrados com aquele “floreio”
especial que a literatura tem.
No
livro: há o engraçado, há o tristonho, há ficção, há o enfrentar das
dificuldades – de sua vida adulta e de criança - há a saudade, o efêmero, o
eterno, o frugal e há também o sonho e a esperança que acalantam a vida humana.
É tudo o que um leitor espera encontrar num livro de crônicas, não é verdade?
Ao
se lançar novamente na arte da escrita percebo que você não o faz como quem
deseja passar um ensinamento, uma sabedoria, mas simplesmente escreve para
narrar um fato e deixar ao fim de cada texto o leitor especulando ideias de
orelha em pé, como, aliás, penso deve ser a boa crônica. Mas imagino, querida
Nice Arruda, que escrever, para você, também seja um exercício maior, um
exercício de dizer sobre a possibilidade de duração do instante, da reinvenção e
da redescoberta da vida. Afinal, a vida nunca está completa. Mas vale a pena.
Sempre temos algo mais a dizer e a fazer. Espero que continue sempre
escrevendo. Sigamos em frente, ou como disse São Francisco de Assis: recomecemos,
porque até aqui pouco ou nada fizemos.
Vou
parando a carta-prefácio por aqui, senão é perigoso eu não parar mais e cansar
o seu leitor – que já deve estar doidinho
para ler o que você escreveu. Peço que dê um abraço em todos os nossos
amigos em comum que encontrar por aí, nessa Fortaleza grande. E que Santa
Terezinha do Menino Jesus, minha protetora, te abençoe e te guarde.
Um
abraço de passarinho!
Deste
seu amigo e fã.
Bruno
Paulino.
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